quarta-feira, 4 de julho de 2007


"Meditar é como entregar uma enorme e aprazível campina a uma vaca intranqüila. Ela poderá ficar agitada por algum tempo no seu campo enorme, todavia em certo ponto, visto que há tanto espaço, a intranqüilidade torna-se irrelevante. Assim, a vaca come, come insistentemente, relaxa e adormece."

Chögyam Trungpa

terça-feira, 19 de junho de 2007

Otto


Bicicleta, harmônica, conversas, risadas, bons conselhos, piadas, cachacinhas, churrasco, brincadeiras, honestidade, solidariedade, apoio, fé, otimismo, perseverança, inteligência, disposição, entrega, futebol, música, alegria, enfim.


Semana passada faleceu o Otto. Grande amigo, está conosco.


Boas histórias para contar.


Vaca Zen

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Pula a fogueira...

Posso estar sendo leviano ao falar de um livro sem concluir a sua leitura, mas acredito que para concluí-la preciso falar um pouco dele... Trata-se da biografia desautorizada de Roberto Carlos, fonte inesgotável de pautas jornalísticas – só perde para Britney Spears e Paris Hilton – e que foi condenada à fogueira pelo juiz que queria que o cantor ouvisse seu CD demo. Sim, para quem não sabe, na audiência em que a editora concordou em não só retirar os exemplares à venda como destruí-los, o juiz do caso, que tem por hobbie cantar, encerrou a audiência entregando seu cedezinho ao cantor. A decisão aliás – mais um parêntesis aqui nesse post que não vai logo direto ao assunto – rendeu uma louvável reação de Paulo Coelho em artigo publicado na mídia, a melhor coisa que fez desde que compôs Gita com Raul Seixas...
Bom, o que o autor Paulo César de Araújo fez foi, na impossibilidade de ter o cantor como sua principal fonte, escrever um livro não de um pesquisador – a despeito dos 15 anos que passou preparando-o – mas de um fã apaixonado pelo seu biografado. Isso porque ele parte do mito Roberto Carlos para escrever a biografia e não do artista. Logo de início ele abre dizendo que só entrevistou o cantor uma única vez, mesmo assim levado por outro repórter, na “carona”. Daí, os 15 anos foram de pesquisa indireta, tentando recompor a vida do ídolo a partir de depoimentos, recortes de jornal, visitas aos locais em que ele viveu, etc. Sim, Araújo fez um trabalho minucioso, mas... apaixonado! Há coisas incompreensíveis, como um capítulo para defender a Jovem Guarda como o movimento que “revolucionou” a música brasileira por ter introduzido os três acordes do rock – fez isso antes do tropicalismo – e que a MPB foi retrógrada ao rejeitar as guitarras. Na verdade havia todo um contexto sócio-político, tanto para a reação da MPB quanto para o sucesso do iê-iê-iê, assim como para a mistura promovida pelo tropicalismo. Era, enfim um período de rótulos num processo de confirmação do que hoje sabemos ser a música pop. Não há sentido em querer “fazer jus” à Jovem Guarda quarenta anos depois, mas sim em entender como as coisas se deram, os atores, os movimentos, as ações, etc. Araújo faz isso, mostra os detalhes, mas acaba conduzindo uma defesa apaixonada do seu ídolo, o que compromete o resultado da sua análise... Só para assinalar outro apego do autor: para louvar a longevidade da parceria Roberto-Erasmo, ele fica medindo as durações de grandes parcerias da música brasileira. Tem algum sentido isso? Reconheço a grande importância de Roberto Carlos na música brasileira, nem tanto pela Jovem Guarda, que promoveu rupturas e coisa e tal, mas pelo que compôs e cantou na década de 1970, que foi de uma renovação tremenda em meio ao cenário musical da época, em plena ditadura. Agora, passada essa fase, sua contribuição à música brasileira foi cada vez mais pontual e sua obra cada vez mais repetitiva. Além do que a persona Roberto Carlos beirou o folclorismo que parece se abater como uma síndrome sobre aqueles que vivem o sucesso prolongado – vide o exemplo mais bizarro que é o de Michael Jackson. O desfecho do caso da biografia é coerente com essa lógica. Quem escreve sobre Roberto Carlos é ele mesmo - se é que fará mesmo a sua própria biografia um dia - e quem ousar ir contra esse “princípio” será punido com a fogueira. Para sorte de Araújo, foram só os livros.

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Catira na Catraca




Já comentei algumas vezes que gosto de andar de ônibus pela capital paulista.
Claro que fora do horário de rush. Transporte coletivo é um problema que, às vezes, parece crônico, espero que não seja.

Mas, fora do horário de pico, eu gosto. Já li vários livros em ônibus.
Só para você saber: terminei, uma vez, Cem anos de solidão no busão!
Depois terminei em casa de novo.
Mas terminar um livro, levantar a cabeçar e olhar a caótica metrópole passando pela janela...me dá uma sensação que nem vou tentar explicar.

Mas outras experiências são possíveis.

Vai daí que estava num bumba esses dias e o cobrador me chamou a atenção.
Já um senhor, na casa dos 60 anos.
Bigode hirsuto e branco, costeletas até o meio da bochecha, bem tratadas, cabelos ondulados, penteados para trás, flocados como paina.Não usava uniforme, vestia uma camisa xadrez, em tons de vermelho e azul.Faltava um lenço, só um lenço encarnado para completar o quadro.

Ele parecia um personagem saído da minha infância, direto de uma festa, direto de um grupo de catira para aquela catraca!

E, de repente, ele abre a boca:
“Pessoar, favor, ói: só passa o cartão na hora qui ocêis fô ´travessa a catraca! Sinão despoi ela trava e dá pobrema pra nói! Quem vai pras Crínica dece no próximo!”

Genial! Ele saiu da roça, mas a roça não saiu dele!

E fui transportado para lá, para minha origem também, em um meio de tarde, direto da av. Rebouças!

Cheguei a ouvir: Trá-tá-tá-tá- tátá – Clap-Clap- Clap-Clap-ClapClap-trá!

E, claro, um repique de viola ficou soando em meu ouvido, até a hora do Angelus.

Vaca Zen

Ps.A foto lá em cima é de autoria de Reinaldo Meneguim, e os catireiros são do Grupo de Catira Garulhense

sexta-feira, 1 de junho de 2007

A periferia, o frio, as cores.



Estive na periferia essa semana.
Extremo da Zona Leste, extremo da Zona Sul.
Às vezes falo de periferia e amigos falam de Freguesia do Ò, Vila Sônia, Tatuapé.
Isso, caros, não é periferia.
Periferia é Periferia, como diz o rap.

Reconheci mais um ponto de contato nas periferias, nessa visita feita.
Zona Sul e Zona Leste se parecem no que contarei a seguir

O inverno já se faz presente, e forte, nesses dias.
As ruas lotadas de caminhantes me mostrou a tendência da moda de décadas atrás.
Sim, porque fica claro que, nessa época do ano, os armários são remexidos e, de lá, saem peças de roupas esquecidas nas gavetas.

Então, lá vem um senhor de cachecol verde, pulôver vinho, camisa verde por baixo, jaqueta lilás por cima.
Crianças com gorros furtacor, luvas bicolores, duas camisetas sobrepostas, vermelha uma, azul a outra.
Mulheres com calças de veludo cotelê beges, malhas de lã cítricas,cachecóis multicoloridos que vão até os joelhos, jaquetas de nylon vermelhas com detalhes em amarelo.

A periferia explode em cores, há uma alegria velada no ar.

O inverno transforma os pobres em arco-íris.

Vaca Zen

terça-feira, 29 de maio de 2007

Para encontrar o Segredo, suba a Montanha mágica

Mais um daqueles fenômenos incompreensíveis em meio a uma sociedade de consumo descontente com sua própria condição – a que não consegue, contraditoriamente, abrir mão – o petardo O segredo (aviso logo que não li o livro mas vi o vídeo baixado pela internet) preconiza algo um tanto óbvio para servir de tábua de salvação e muito equivocado para ajudar alguém a sair do vazio dessa civilização. A mensagem básica é: se você quer, você terá. Bom, à primeira vista salta a obviedade. Se assim não fosse, estaríamos ainda quebrando pedras, não é? Mas aí vem a "lógica" da coisa: é só uma questão de atração. Para isso usa-se o poder da mente.
Bom, aí as coisas começam a ter um tom de deja vu. Isso foi moda nos anos 60, 70 e 80. Volta agora com nova roupagem... Portanto, não é nenhum “segredo”...
O mais incrível é que os produtores do filme e do livro, que já alcança o topo das listas dos mais vendidos, prometem revelar a quem consumir esse precioso produto da indústria cultural, nada menos que o “segredo da vida”! Uau! Milênios atrás disso e já é possível acessá-lo com um clic?!?!? Mas os produtores não se contentam só com isso. Prometem uma nova era para a Humanidade a partir do seu produto altamente vendável. Acho que nem a Igreja Católica se arrogou a tanto quando, em seus primórdios, escolheu os livros que comporiam o Novo Testamento...
Bom, a questão é: para os autores e os 25 professores entrevistados para o livro e o vídeo, tudo se dá no que eles entendem por centro do ser: o ego. Tanto que os desejos estão centrados neles: se quer um carro, atraia-o (recomendo olhar antes para os dois lados da rua antes de fazer o pedido...), se quer paz de espírito atraia-a (como se ela fosse um fator externo!), e por aí vai.
Contra tanto egocentrismo indico um banho de arquétipos da Alma ministrado em imagens poderosas: o filme A montanha mágica, que Alejandro Jodorowski, um chileno que viveu no México e hoje mora em Paris, fez em 1973. O filme é isso: uma enxurrada de imagens que, enfeixadas, mostram o caminho percorrido pela alma até a tridimensionalidade, ou seja, até essa nossa existência “real”. Jodorowski faz o caminho inverso: para ele não se deve buscar a iluminação, mas entender que já somos iluminados ao ter ganhado o direito à vida. No entanto, é preciso entender o caminho da alma até aqui para podermos viver de verdade. Sem essa de atração: temos que espalhar a vida. Ritualisticamente. É esse o cume da montanha sagrada.

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Vou contar um segredo:

...por causa da falta de tempo de ambos os postadores (ai!), o Vaca Zen(-vergonha) resolveu pinçar um velho post do meu blog anterior, o Smokey life e republicá-lo aqui. Mas, como tudo acontece por acaso, como acreditam Almodóvar e Paul Auster, ele escolheu justamente o que fala sobre a impermanência, isso na véspera do aniversário de Buda Shakyamuni, comemorado hoje pelos budistas. Aliás, estamos próximos da chamada Blue Moon (quando o mês tem duas luas cheias), fenômeno raro. A segunda lua de maio acontece no próximo dia 31. Lembrei disso porque a simbologia do Buda está sempre ligada à Lua Cheia, tanto que na maioria das tankas ele aparece sentado na posição do lótus sobre dois discos radiantes: o sol e a lua, sendo esta a que ele toca com a ponta dos dedos em sinal de completo equilíbrio. Existe equilíbrio maior que o acaso?

terça-feira, 22 de maio de 2007

Impermanência

Instado por seus súditos, um rei acabou chamando aquele que seria o “mais sábios dos sábios” para ouvir seus conselhos. Mas o velhinho foi bem reticente. Olhou o rei de soslaio e entregou-lhe duas mensagens dobradas. “Essa daqui você coloca no anel da mão esquerda e só leia quando estiver no seu pior momento. A outra, no anel da mão direita, e deve ser lida quando estiver em seu melhor momento.” Voltou-se e se foi. Os anos passaram e a fatalidade fez o rei perder o trono e se meter numa batalha sem chances de vitória. Sedento, perdido numa floresta e com a noite caindo, decidiu abrir a mensagem da mão esquerda. Pegou o papelzinho e firmou os olhos, não crendo no que lia: “Isso vai passar.” Ficou furioso. Viu um rio e se atirou, tentando dar cabo à própria vida. Por sorte havia um pescador – sempre há um! – que o resgatou e restabeleceu-lhe as forças. Tanto que pôde articular novamente seu pessoal, seu exército e conquistar de volta o reino. Ao se deleitar com o novo triunfo, pousou a mão direita no trono e viu o anel. Apanhou a mensagem e leu: “Isso vai passar”.

Esse sentido de impermanência é básico no budismo, a idéia de que nada do que vemos ao redor estará aqui para sempre. Nem o sol, nem as estrelas (essas talvez nem estejam nesse exato instante, pois só vemos seu brilho, que viajou milênios até aqui chegar), nem as montanhas. Muito menos nós. Muito menos a condição em que nos encontramos. É interessante pensar na impermanência e nessa história quando vemos pessoas, amigos até, encantados soberbamente com suas condições, cargos, vantagens, etc. Como ouvi um filósofo dizer: passam anos construindo a escada e quando chegam ao topo, substituem-na pela ilusão de que sempre estiveram lá. Assim, a pessoa, mesmo que se ferre, irá sempre se deixar levar pela ilusão de que seu “eu” triunfou sobre as circunstâncias. Até que, como no poema de Drummond, o elefante se desfaz. “A cola se dissolve/e todo o seu conteúdo/de perdão, de carícia,/de pluma, de algodão,/jorra sobre o tapete,/qual mito desmontado.” Tudo bem. Isso vai passar.


Smokey
(se clicar na imagem acima ela vai ser ampliada...)

terça-feira, 15 de maio de 2007

Sobre o medo

Depois de fazer uma trilha morro acima, parei e sentei em um gramado, para curtir meu ócio criativo (salve, Domenico!) e olhar a paisagem.
Repentinamente uma forte ventania tomou conta da mata.
Fiquei observando a movimentação das árvores e vi uma borboleta, muito grande, esforçando-se para manter seu vôo, tomada por aquela lufada de vento inesperada.
Acredito ter ouvido um: Me ajude!

Fiquei acompanhando a dificuldade no controle de suas asas, mas, a dez metros de onde eu estava, ela fez uma manobra inacreditavelmente graciosa e pousou numa área repleta de marias-sem-vergonha e, calmamente, seguiu seus instintos, alimentando-se e polinizando as flores.
Mas acredito ter ouvido um: Ufa!

Increíble!!

Talvez por estar com o cérebro altamente oxigenado, fruto da caminhada, fiz uma baita digressão, olhando, agora, para uma nuvem ovelhesca que passava sobre um fundo azulejado.

Pensei que, inúmeras vezes, quando estamos decididos a realizar algo (no caso da borboleta, ir até as flores) somos pegos de surpresa por uma série de problemas inesperados (no caso da borboleta, o vento) e acometidos de um medo inquietante.
No entanto, se soubermos administrar o tal do medo, tirando partido dele, nossa meta pode se acessada sem grandes traumas.
No caso da borboleta, ela chegou, certamente, mais rápido ao seu destino, usando aquela ventania em seu benefício.

Não acredito que o medo seja ruim. Ele nos deixa mais alertas, faz com que analisemos as situações mais apuradamente, ajudando-nos a conhecer os riscos e evitar o erro.

O medo só é ruim quando é paralisante.
O popular cagaço.

Quando deslocamos o medo para nossa área de conforto e tratamos de transformá-lo em justificativa de inação, em nome da segurança, aí é chato, também, né?
O tratamos como um cãozinho, alimentamos o medinho, damos carinho para o medinho e falamos: “Um dia você vai ser um cãozarrão, e ficaremos juntinhos aqui, na nossa segurança” Qui fófi!!!

Administrar o medo.
Compreender o medo.
Tirar proveito do dito.

Olhei novamente para as flores e a borboleta já tinha ido.
Era hora de voltar, mesmo.

Dando uma olhada final no entorno, pensei:

_ Belo lugar pra fazer uma casinha branca...

Vaca Zen

quinta-feira, 10 de maio de 2007

Expertise em esperteza


Artimanhas do acaso, estão sentados ao meu lado. Aliás, eu é que me sentei ao lado deles, pois a minha poltrona, para ser acessada, exigia que o casal se levantasse e me desse passagem. “Você não pode ir em pé?”, ela brincou quando comuniquei que teria de incomodá-los. Sentei e, sem qualquer cerimônia, eles continuaram a conversa que, pelo tom, parecia conspiratória. Não conseguia imaginar qual a relação entre eles, mas parecia meramente profissional. Como o vôo ia a Brasília, estava claro que se preparavam para negociar alguma coisa com alguém da Corte. Ele, com o indefectível terno, ela com bolsa importada. Juro que tentei ler o jornal, mas a meia-voz da conversa me convidava a bisbilhotar. Pareciam envolvidos com alguma empresa apta a fornecer a merenda escolar. Ele dizia ter acesso aos governadores tucanos. Mas tinha de negociar com uma mulher do governo. Enquanto eu folheava o jornal, sorvendo rapidamente só as manchetes, ela perguntava e ele a supria nas suas dúvidas. Ela se vestia bem e, em sua opulência, mostrava os seios apertados no decote, os cabelos bem pintados, a voz sempre firme. Como a conversa dele era cheia de idas e vindas, tudo começou a perder interesse de minha parte. Só me dei conta de quem falavam quando ele disse: “Ela foi uma mulher muito bonita. Foi uma guerrilheira linda!”. Sim, era a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef. Portanto, peixe graúdo. Aí me lembrei do que ele havia dito alguns momentos antes, o avião já em velocidade de cruzeiro: “Quando trabalhei no banco aprendi que só se consegue as coisas pagando”. Silêncio. A mulher parecia apreensiva para ouvir a próxima frase. “Mas não é todo mundo que pensa assim”. Deduzi que o grande impasse naquela conversa era como negociar a merenda com a ministra. Se usando os métodos do “banco” ou se de qualquer outra maneira. Havia a preocupação de “não dar no que deu no caso das ambulâncias”, como ele disse. Fechei os olhos e procurei cochilar. Quando recuperei a atenção no que se passava à minha volta, ele tentava exaustivamente explicar a ela o que era o capital de giro de uma empresa. Ela não compreendia o que ele explicava. Também achei que ele não tinha a mínima didática para isso. Por fim, ele, serenamente, disse: “Você está sendo burra para entender isso”. Nesse instante, conclui: “Casados!” Fechei os olhos novamente, mas despertei logo em seguida com os movimentos da mulher, que estava ao meu lado. Imaginei que o vôo se findava e ela estava retocando a maquiagem, uma vez que tinha a bolsa no colo. Olhei. Estava retirando um lenço de papel, que levou rapidamente aos olhos. Ele disse abruptamente: “Vai chorar?” Ela já estava chorando. Pelo “burra”. Silenciaram. Ela chorou alguns minutos ainda e se aquietou. Logo em seguida, continuaram a conversar em meia-voz sobre o que os esperava em Brasília.

sexta-feira, 4 de maio de 2007

A dívida do Papa Ratzinger com o Brasil

Guardo uma edição da revista Caros Amigos de junho de 1997, portanto de dez anos atrás. A capa é Leonardo Boff, então frei, condição que abandonaria posteriormente. Mesmo assim a chamada diz: “A Igreja mente, é corrupta, cruel e sem piedade”. O motivo pelo qual guardei a edição é bem pouco político. Na época em que li a edição me impressionei com a frase do teólogo: “Então todo entusiasmo é a essência da vida, porque a essência da vida não é a vida, é a vitalidade da vida, é a energia que faz a vida viver”. E foi esse entusiasmo (do grego “ter um Deus dentro”) que me levou a manter a revista guardada em meus alfarrábios.

Mas um outro nome ficou na minha memória: Ratzinger, um dos algozes de Boff quando este foi chamado ao Vaticano para um tribunal que condenou a sua Teologia da Libertação – que defendia uma Igreja voltada aos pobres, o que foi confundido com marxismo – e acabou tirando do teólogo o direito de pregar. Boff foi ao tribunal bem acompanhado, com os cardeais Dom Ivo Lorscheiter e Dom Paulo Evaristo Arns, o que irritou Ratzinger. Depois, o réu foi conduzido à sala dos inquiridos e sentou-se na mesma cadeira que Galileu Galilei. O mais interessante da longa entrevista que Boff concedeu à Caros Amigos está no seguinte trecho:

“Então aí se discutiu sobre Teologia da Libertação. E a insistência de nossos dois cardeais era que se fizesse um documento nas Igrejas onde se vive uma prática de Teologia da Libertação, com pobres, comunidades – dom Paulo disse ao Ratzinger: ‘Se o senhor quiser, eu preparo tudo em São Paulo, o senhor vai conhecer as periferias, vai com os agentes da pastoral e depois de ver tudo isso vamos sentar e falar de Teologia da Libertação, porque se o senhor não vir isso não vai entender os teólogos’. O cardeal disse: “Não, nós temos obrigações com a Igreja universal, não podemos fazer partido na Igreja local. Nós somos responsáveis por todas as Igrejas, nossa sede de pensamento é aqui’. Aí que eu me levantei e disse: ‘Cardeal, por favor, olhe essa janela, tudo de ferro quadriculado. Atrás dessa janela quadriculada e de ferro não se faz Teologia da Libertação, porque o mundo já vem traduzido nessa quadratura. Tem de sentir na pele uma experiência de pobreza, porque daí nasce a teologia como o grito dos pobres’.”

Mais adiante Boff ainda afirma que Ratzinger “de vez em quando se encontra com grandes industriais alemães, passa o dia junto, eles têm subsidiado enormemente as causas da Igreja contra a Teologia da Libertação, que vêem aliada ao marxismo, processo de instabilidade social, e os governos entraram, os próprios Estados Unidos, com aquele famoso texto da Carta de Santa Fé, que diz que a Teologia da Libertação é um risco para a segurança dos Estados Unidos por ser um fator de desestabilização na América Latina”. (Leia o que pensa Boff hoje sobre a visita de Ratzinger)

Tive a curiosidade de conferir o roteiro da visita do Papa Ratzinger. Não, ele não visitará os pobres. Passará a maior parte do tempo atrás da janela quadriculada do Mosteiro de São Bento.

quinta-feira, 26 de abril de 2007

Pôr-do-sol, esportes radicais e gravatas

Pois é. Al Gore vem aí. Dia 12 de maio, no Ibirapuera. Não, parece que não é aberto ao público. Só para convidados e jornlistas. Convidados do promotor do evento, o banco Itaú. Quando soube disso até achei graça. O Itaú? É, aquele banco que no ano passado lançou uma campanha que dizia que o sol – sim, ele mesmo – havia “roubado” a cor das suas agências só para alegrar o meu fim de tarde. Certamente trazer Al Gore ao Brasil será comprar mais uma briga com o sol...

Aliás, porque os bancos são os primeiros a vestir a fantasia da responsabilidade sócio-ambiental? Todos eles querem mostrar que são “humanos” e “sustentáveis”, apesar de lucrarem com sua taxas exorbitantes. Não estão fazendo o mesmo que a indústria tabagista ao basear sua publicidade nos esportes radicais? Pois é, repito. Descaminhos que teremos de mapear nos próximos dez anos, enquanto o aquecimento global for nos torrando os neurônios.

Em tempo: Imagino que a primeira vítima da moda com o aquecimento global será a gravata, esse trapo de pano inventado por Luís XIV ao apreciar os lenços atados nos pescoços de uns mercenários croatas, cuja estupidez o ser humano jamais notou de fato!

Em tempo 2: Prometo não falar em Al Gore nos próximos posts. Já sobre o aquecimento global, nada prometo.

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Sim, é ela mesma.

Sim, voltamos. Ou melhor, reencarnamos. Sim, trouxemos ela junto. Nós, a vaca zen e o smokey life. No que poderia dar isso? A vaca de nariz sutil. Por que? Me explique o segredo do universo e te direi o porquê. Ou porque do por quê. Sutilezas de vacas. Portanto viemos para ecoar Campos de Carvalho: sejamos a vaca de nariz sutil, com suas duas, três sabedorias. E seus cornos: pra fora e acima da manada. Êêêê...

segunda-feira, 9 de abril de 2007

Quanto mais inconveniente, melhor!

O filme de Al Gore, que ganhou os Oscar de melhor documentário e de melhor canção este ano deixa, ao final, uma clara dúvida: qual é a verdade inconveniente? A esta altura do campeonato, todos os que não o assistiram, dirão: o aquecimento global, claro. No entanto, após assistir à palestra de 1h30 do ex-futuro presidente dos Estados Unidos (como ele diz no início do filme, emendando em seguida, após os risos da platéia: “não acho isso engraçado...”) se tem a sensação que a proposta dele é eminentemente política. Ecologista, sim, mas eminentemente política. O que Gore propõe sobretudo é a revisão da maneira de se fazer democracia na América. Aliás, já que ele ia cobrar a descrença dos que riram do seu mote ecológico durante anos, porque não jogar ao fogo(metáfora perigosa aqui...) os principais ícones dessa mesma América, o automóvel e a guerra? Pois ele faz isso. E consegue fazer o que nem duzentos Michael Moore conseguiriam: escarnece de Bush com uma sensatez sem tamanho. Duas cenas são cruciais. A primeira mostra Gore fazendo um resumo da sua vida política desde os tempos de colégio, quando conheceu um professor maluco que cismou de medir a concentração de carbono no ar até aquele momento. Enquanto isso, no seu painel, o gráfico vai apontando a progressão do aquecimento global. Ou seja: enquanto eu acumulava derrotas e descrença generalizada, olha o que acontecia ao planeta. A outra cena é mais contundente ainda. Após explicar o risco de a Groenlândia degelar nos próximos dez anos (dez!), ele mostra o efeito que isso teria no aumento do nível no mar. O susto maior ele mostra de cara: os Países Baixos (Holanda) sendo praticamente encobertos pela água salgada. Depois, mostrando a ilha de Manhattan, revela a água avançando até o Memorial World Trade Center. Não, ele não assinala o local onde ficavam as Torres Gêmeas, mas onde foi erguido o Memorial (onde estiveram um dia as torres), o que hoje representa uma espécie de monumento à vulnerabilidade do Império. Enfim, o que mais surpreende é que o filme não é alarmista como a mídia foi depois do seu sucesso ou depois do relatório da ONU. É, antes de tudo, uma convocatória à democracia para salvar o planeta. Tanto que Gore não pestaneja em dizer ao final que “se conseguimos acabar com o comunismo, como não vamos deter o aquecimento global?”. Mesmo assim é portanto, o projeto político mais bem acabado da geração dos 1960. Em 1990 Bernt Capra assumiu o desafio de filmar o livro O ponto de mutação, de seu irmão Fritjof Capra. Como se trata de um livro teórico, a solução foi colocar as teorias num “triálogo” inusitado: um político em crise existencial (baseado em Gore, amigo de Capra) se retira com um poeta para o castelo de San Michel, na França. Lá, no passeio, dentro da sala de máquinas do relógio da ilha, encontram uma física (Liv Ulmann, maravilhosa) e passam a discutir um novo projeto político. É, sim, o processo de Gore, que agora volta à película em toda a sua explicitude. Nos letreiros finais do filme sobre a palestra de Gore, há diversos “avisos”, do tipo: recomende este filme aos seus amigos, escreva ao seu deputado falando sobre o aquecimento global e, se não der resultado, se candidate. É esta talvez a grande verdade inconveniente. Será que ele vai?