sexta-feira, 4 de maio de 2007

A dívida do Papa Ratzinger com o Brasil

Guardo uma edição da revista Caros Amigos de junho de 1997, portanto de dez anos atrás. A capa é Leonardo Boff, então frei, condição que abandonaria posteriormente. Mesmo assim a chamada diz: “A Igreja mente, é corrupta, cruel e sem piedade”. O motivo pelo qual guardei a edição é bem pouco político. Na época em que li a edição me impressionei com a frase do teólogo: “Então todo entusiasmo é a essência da vida, porque a essência da vida não é a vida, é a vitalidade da vida, é a energia que faz a vida viver”. E foi esse entusiasmo (do grego “ter um Deus dentro”) que me levou a manter a revista guardada em meus alfarrábios.

Mas um outro nome ficou na minha memória: Ratzinger, um dos algozes de Boff quando este foi chamado ao Vaticano para um tribunal que condenou a sua Teologia da Libertação – que defendia uma Igreja voltada aos pobres, o que foi confundido com marxismo – e acabou tirando do teólogo o direito de pregar. Boff foi ao tribunal bem acompanhado, com os cardeais Dom Ivo Lorscheiter e Dom Paulo Evaristo Arns, o que irritou Ratzinger. Depois, o réu foi conduzido à sala dos inquiridos e sentou-se na mesma cadeira que Galileu Galilei. O mais interessante da longa entrevista que Boff concedeu à Caros Amigos está no seguinte trecho:

“Então aí se discutiu sobre Teologia da Libertação. E a insistência de nossos dois cardeais era que se fizesse um documento nas Igrejas onde se vive uma prática de Teologia da Libertação, com pobres, comunidades – dom Paulo disse ao Ratzinger: ‘Se o senhor quiser, eu preparo tudo em São Paulo, o senhor vai conhecer as periferias, vai com os agentes da pastoral e depois de ver tudo isso vamos sentar e falar de Teologia da Libertação, porque se o senhor não vir isso não vai entender os teólogos’. O cardeal disse: “Não, nós temos obrigações com a Igreja universal, não podemos fazer partido na Igreja local. Nós somos responsáveis por todas as Igrejas, nossa sede de pensamento é aqui’. Aí que eu me levantei e disse: ‘Cardeal, por favor, olhe essa janela, tudo de ferro quadriculado. Atrás dessa janela quadriculada e de ferro não se faz Teologia da Libertação, porque o mundo já vem traduzido nessa quadratura. Tem de sentir na pele uma experiência de pobreza, porque daí nasce a teologia como o grito dos pobres’.”

Mais adiante Boff ainda afirma que Ratzinger “de vez em quando se encontra com grandes industriais alemães, passa o dia junto, eles têm subsidiado enormemente as causas da Igreja contra a Teologia da Libertação, que vêem aliada ao marxismo, processo de instabilidade social, e os governos entraram, os próprios Estados Unidos, com aquele famoso texto da Carta de Santa Fé, que diz que a Teologia da Libertação é um risco para a segurança dos Estados Unidos por ser um fator de desestabilização na América Latina”. (Leia o que pensa Boff hoje sobre a visita de Ratzinger)

Tive a curiosidade de conferir o roteiro da visita do Papa Ratzinger. Não, ele não visitará os pobres. Passará a maior parte do tempo atrás da janela quadriculada do Mosteiro de São Bento.

2 comentários:

Carline :) disse...

E pensar que ateh queriam parar o metro proximo da estacao Sao Bento para nao atrapalhar o sono do Papa...
Me interessei pela Teoria da Libertacao.
E aproveito o post para reafirmar minha vontade de ir amanha na USP. Dah uma carona, professor Smokey? ;)

René disse...

É um assunto polêmico. O papa doou 100 mil dólares para a fazenda Esperança, que trata de drogados e dependentes químicos, em Guaratinguetá. Acredito que a igreja tem o papel de ajudar a alma, o anseio humano nas dúvidas desse campo e também na ética humana. Ajudar os pobres é papel da sociedade e do governo que, diga-se de passagem, fazem isso porcamente. E aí resolvemos meter o pau na igreja. Mas talvez tenha faltado um discurso sobre a pobreza para o presidente do Brasil, realmente. Mas talvez o papa ficou com medo de causar mais uma bagunça nesse país.