quinta-feira, 10 de maio de 2007

Expertise em esperteza


Artimanhas do acaso, estão sentados ao meu lado. Aliás, eu é que me sentei ao lado deles, pois a minha poltrona, para ser acessada, exigia que o casal se levantasse e me desse passagem. “Você não pode ir em pé?”, ela brincou quando comuniquei que teria de incomodá-los. Sentei e, sem qualquer cerimônia, eles continuaram a conversa que, pelo tom, parecia conspiratória. Não conseguia imaginar qual a relação entre eles, mas parecia meramente profissional. Como o vôo ia a Brasília, estava claro que se preparavam para negociar alguma coisa com alguém da Corte. Ele, com o indefectível terno, ela com bolsa importada. Juro que tentei ler o jornal, mas a meia-voz da conversa me convidava a bisbilhotar. Pareciam envolvidos com alguma empresa apta a fornecer a merenda escolar. Ele dizia ter acesso aos governadores tucanos. Mas tinha de negociar com uma mulher do governo. Enquanto eu folheava o jornal, sorvendo rapidamente só as manchetes, ela perguntava e ele a supria nas suas dúvidas. Ela se vestia bem e, em sua opulência, mostrava os seios apertados no decote, os cabelos bem pintados, a voz sempre firme. Como a conversa dele era cheia de idas e vindas, tudo começou a perder interesse de minha parte. Só me dei conta de quem falavam quando ele disse: “Ela foi uma mulher muito bonita. Foi uma guerrilheira linda!”. Sim, era a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef. Portanto, peixe graúdo. Aí me lembrei do que ele havia dito alguns momentos antes, o avião já em velocidade de cruzeiro: “Quando trabalhei no banco aprendi que só se consegue as coisas pagando”. Silêncio. A mulher parecia apreensiva para ouvir a próxima frase. “Mas não é todo mundo que pensa assim”. Deduzi que o grande impasse naquela conversa era como negociar a merenda com a ministra. Se usando os métodos do “banco” ou se de qualquer outra maneira. Havia a preocupação de “não dar no que deu no caso das ambulâncias”, como ele disse. Fechei os olhos e procurei cochilar. Quando recuperei a atenção no que se passava à minha volta, ele tentava exaustivamente explicar a ela o que era o capital de giro de uma empresa. Ela não compreendia o que ele explicava. Também achei que ele não tinha a mínima didática para isso. Por fim, ele, serenamente, disse: “Você está sendo burra para entender isso”. Nesse instante, conclui: “Casados!” Fechei os olhos novamente, mas despertei logo em seguida com os movimentos da mulher, que estava ao meu lado. Imaginei que o vôo se findava e ela estava retocando a maquiagem, uma vez que tinha a bolsa no colo. Olhei. Estava retirando um lenço de papel, que levou rapidamente aos olhos. Ele disse abruptamente: “Vai chorar?” Ela já estava chorando. Pelo “burra”. Silenciaram. Ela chorou alguns minutos ainda e se aquietou. Logo em seguida, continuaram a conversar em meia-voz sobre o que os esperava em Brasília.

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